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A Prefeitura de Salvador anunciou ontem a empresa vencedora da licitação para a concessão das barracas e quiosques da nova Orla da cidade.
No entanto, o processo, que já havia sido questionado por supostas irregularidades, está sob investigação do Ministério Público da Bahia (MPBA) e do Ministério Público Federal (MPF), sob os registros IDEA 003.9.604765/2024 e PR-BA-00076173/2024, respectivamente.
Denúncias apontam ilegalidades que vão desde a ausência de concorrência efetiva até a possível privatização disfarçada de um espaço público essencial para a população.
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ILEGALIDADES NO PROCESSO DE CONCESSÃO
1. Ausência de concorrência efetiva e violação ao princípio da competitividade
O processo de concessão começou com uma Manifestação de Interesse Privado (MIP), autorizada pelo Termo de Autorização nº 001/2024 da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP).
A MIP foi apresentada pela empresa Orla BR, que posteriormente venceu a licitação, levantando suspeitas de direcionamento e falta de isonomia entre os concorrentes.
Essa prática viola o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que exige licitações públicas com igualdade de condições para todos os participantes, e o artigo 2º da Lei nº 8.666/1993, que garante a ampla competição e proíbe cláusulas que comprometam o caráter competitivo do certame.
A ausência de transparência e publicidade no início do processo já indicava um cenário favorável à empresa que apresentou a MIP.
2. Privatização disfarçada de espaço público e violação ao princípio da função social do espaço urbano
A concessão prevê que a Orla BR terá gestão exclusiva dos quiosques, barracas e tendas de praia, o que pode excluir os comerciantes tradicionais que atuam há décadas na região.
Essa medida afronta o artigo 182 da Constituição Federal, que estabelece a função social da cidade e o direito ao trabalho digno, além dos artigos 2º, 39 e 40 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que determinam a inclusão social no planejamento urbano.
Além disso, a concessão pode restringir o acesso público à orla, violando o artigo 10 da Lei nº 7.661/1988, que garante o livre acesso às praias e áreas litorâneas. A privatização de espaços públicos essenciais para a população é vista como um retrocesso no direito à cidade.
3. Vício no processo de licitação e possível lesão ao erário
O Termo de Autorização nº 001/2024 estabeleceu que a Orla BR poderia receber até R$ 1 milhão em ressarcimento por estudos técnicos caso sua proposta fosse aprovada.
Esse acordo levanta questionamentos sobre a imparcialidade da licitação, já que a empresa teve acesso a informações privilegiadas e compensações financeiras, criando um ambiente viciado.
Essa situação pode configurar ato de improbidade administrativa, conforme o artigo 10, incisos I e VIII, da Lei nº 8.429/1992, por possibilitar enriquecimento ilícito e prejuízo ao patrimônio público.
4. Ausência de participação popular e violação à Convenção 169 da OIT
O projeto foi conduzido sem consulta ampla à sociedade ou aos trabalhadores da orla, contrariando o princípio da gestão democrática das cidades (art. 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade).
Além disso, a exclusão dos barraqueiros tradicionais pode impactar comunidades que dependem da orla para sua subsistência, o que exigiria consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.
Jurisprudências relacionadas
O caso encontra respaldo em decisões judiciais anteriores, como a ADI 2.716/DF, em que o STF determinou que licitações devem assegurar ampla concorrência e vedar direcionamentos.
Outro exemplo é o RMS 61.497/SC, em que o STJ invalidou concessões que limitaram o acesso ao espaço público, reforçando que praias e orlas devem ser mantidas para uso coletivo.
Além disso, o RE 636.886/SP do STF destacou que concessões não podem prejudicar grupos vulneráveis e devem garantir o direito ao trabalho.
Pedidos e providências solicitadas
Diante das irregularidades, foram solicitadas as seguintes medidas ao MPBA e MPF:
Investigação imediata sobre a legalidade do processo licitatório, com possível ação para anulação da concessão.
Ação Civil Pública para garantir a participação dos antigos barraqueiros e comerciantes tradicionais.
Liminar para suspender os efeitos da concessão até que as irregularidades sejam apuradas.
Parecer técnico do TCU para avaliar possível lesão ao erário e direcionamento indevido do contrato.
A concessão da orla de Salvador representa um caso emblemático de como processos licitatórios mal conduzidos podem resultar na privatização de espaços públicos essenciais, excluindo trabalhadores tradicionais e limitando o acesso da população. Enquanto o MPBA e o MPF investigam as denúncias, a sociedade aguarda respostas que garantam a transparência e a legalidade do processo, além da preservação do direito à cidade e ao trabalho digno.
A Prefeitura de Salvador, por sua vez, precisa rever suas práticas e garantir que projetos de grande impacto sejam conduzidos com ampla participação popular e respeito aos princípios constitucionais. A orla é um patrimônio coletivo, e sua gestão deve refletir os interesses de todos, não apenas de grupos privados.
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